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Os Sacramentos dos Hereges e Cismáticos

Por Alessandro Lima

1. Introdução

O tema da validade e da eficácia dos sacramentos administrados fora da comunhão da Igreja Católica sempre foi objeto de reflexão desde os primeiros séculos da Igreja, especialmente frente às heresias e cismas. O tema voltou ao debate após em suas redes sociais o Pe. José Eduardo, ao responder um contendor seu, tenha afirmado em resumo que os sacramentos dos hereges e cismáticos também conferem a graça santificante [1].

Neste artigo, buscaremos esclarecer  a questão na doutrina de Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e do Catecismo Maior de São Pio X.

2. Princípio Doutrinal

2.1 Princípio de validade
Os sacramentos operam ex opere operato, ou seja, pela própria realização do sinal sacramental, desde que haja: a) Matéria e forma corretas. b) Intenção de fazer o que faz a Igreja. c) Ministro validamente ordenado (onde haja sucessão apostólica).

2.2 Princípio de eficácia
Desde que sejam válidos, alguns os sacramentos administrados fora da comunhão da Igreja não comunicam a graça santificante, a não ser que haja: a) Desejo implícito ou explícito de união com a Igreja. b) Ignorância invencível ou arrependimento.

Em tempo, lembramos que o batismo dos mórmons e das testemunhas de jeová não são válidos. Da mesma forma como são inválidas as ordens sagradas e a confissão dos anglicanos e luteranos e a eucaristia de todas as denominações protestantes. 

3. Duas Testemunhas Autorizadas

3.1 Santo Agostinho
“Os sacramentos são os mesmos, mas fora da Igreja não servem senão para ruína.” (Contra os Donatistas) 

“Um homem não pode se salvar se não estiver na Igreja Católica. Fora da Igreja católica ele pode ter tudo, menos a salvação. Ele pode ter a honra (ser bispo), ele pode ter os sacramentos, ele pode cantar o Aleluia, ele pode responder Amém, ele pode ter o Evangelho, ele pode ter e pregar a fé em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, mas jamais ele poderá encontrar a salvação senão na Igreja Católica. […] Ele pode inclusive derramar seu sangue, mas sem receber a coroa.” (Sermão aos fiéis da igreja de Cesareia, 6)

O bispo de Hipona combateu os donatistas, que negavam a validade dos sacramentos administrados por pecadores, reafirmando a validade, porém, frisando que fora da unidade eclesial não há salvação nem frutificação sacramental.

3.2 São Tomás de Aquino
“Certos heréticos ao conferirem os sacramentos não observam a formalidade da Igreja. E esses não conferem nem o sacramento nem a realidade dele. – Certos porem observam a formalidade da Igreja. E esses conferem verdadeiramente o sacramento, mas não a matéria do mesmo. E isto digo, se estão manifestamente separados da Igreja. Porque pelo fato mesmo de alguém receber deles o sacramento peca; e isso impede de ser alcançado o efeito do sacramento. Donde o dizer Agostinho: Crê firmissimamente e de nenhum modo duvides que aos batizados fora da Igreja, se a ela não voltarem, ao batismo se lhes acrescenta o pecado. E nesse sentido diz Leão Papa, que na sé de Alexandria se extinguiu totalmente o lume dos sacramentos, isto é, quanto à matéria sacramental, mas não quanto aos sacramentos em si mesmos.” (Suma Teológica, III, q. 64, a. 9. ad 2.)

4. Comunhão com a Igreja

O Catecismo Maior de São Pio X (CMSPX) ensina:

“Encontram-se fora da verdadeira Igreja os infiéis, os judeus, os hereges, os apóstatas, os cismáticos e os excomungados.” (n. 224)
“Aqueles que não participam da comunhão dos santos são, na outra vida, os condenados, e, nesta vida, aqueles que estão fora da verdadeira Igreja.” (n. 223)

Essa formulação deixa claro que quem está fora da Igreja não participa da comunhão dos santos, e, portanto, está privado ordinariamente dos frutos espirituais que dela procedem — o que inclui os sacramentos.

Contudo, o CMSPX considera a possibilidade da graça para as pessoas que congregam entre os hereges e cismáticos sem culpa sua: “Quem, encontrando-se sem culpa sua — quer dizer, em boa
fé — fora da Igreja, tivesse recebido o batismo, ou tivesse desejo, ao menos implícito, de o receber e, além disso, procurasse sinceramente a verdade, e cumprisse a vontade de Deus da melhor
maneira possível, ainda que separado do corpo da Igreja, estaria unido à alma dela, e portanto no caminho da salvação.”
(n. 170). 

Na tradição teológica católica, há uma distinção clara entre: a) Graça santificante, que é a vida sobrenatural da alma, ordinariamente conferida pelos sacramentos. b) Graças atuais, que são auxílios transitórios que Deus concede para mover a vontade e a inteligência a fazer o bem, evitar o mal e, em última instância, conduzir à justificação.

O contexto do n. 170 trata de pessoas fora da Igreja visível e, portanto, fora do acesso ordinário aos sacramentos, refere-se às graças atuais, que Deus oferece a todos para conduzi-los à fé, à conversão e, consequentemente, à recepção da graça santificante — seja pela recepção real dos sacramentos ou, em situações extraordinárias, pelos seus frutos de forma sobrenatural (como no caso de batismo de desejo ou de sangue).

5. O Concílio de Trento

Pe. José Eduardo em sua postagem refere-se à Sessão VII e XXIII, cap. III do Concílio de Trento.

Na Sessão VII, acredito que a referência seja o cânon VII que diz: “CÂNONE VII – Se alguém disser que a graça, no que diz respeito à parte de Deus, não é dada através dos ditos sacramentos, sempre e a todos os homens, mesmo que os recebam corretamente, mas (somente) às vezes e a algumas pessoas; seja anátema.”[2]

Este cânon afirma uma verdade de fé definida: que os sacramentos da Nova Lei conferem a graça ex opere operato, ou seja, pela própria ação realizada, desde que não haja obstáculo do lado do recebedor.

O Concílio de Trento, no decreto sobre os sacramentos (Sessão VII, cânones VI e VII), combate explicitamente o erro protestante que negava a eficácia intrínseca dos sacramentos e afirmava que eles seriam apenas sinais externos da fé já possuída.

São Tomás de Aquino, na Summa Theologica (III, q. 62, a. 1), ensina que os sacramentos causam a graça instrumentalmente, por instituição divina, como instrumentos vivos unidos à Causa principal, que é Cristo.

Não se trata aqui de eficácia da graça sacramental sem qualquer distinção, como parece fazer o Pe. José Eduardo.

Já na Sessão XXIII, o capítulo III trata do Sacramento da Ordem: “Considerando que, pelo testemunho da Escritura, pela tradição apostólica e pelo consentimento unânime dos Padres, é claro que a graça é conferida pela sagrada ordenação, que se realiza por palavras e sinais exteriores, ninguém deve duvidar de que a Ordem é verdadeira e propriamente um dos sete sacramentos da santa Igreja. Pois o apóstolo diz: Eu te admoesto que despertes a graça de Deus, que está em ti pela imposição das minhas mãos. Pois Deus não nos deu o espírito de temor, mas de fortaleza e de amor à sobriedade.”[3]

O mesmo que expomos no anteriormente continua valendo aqui também. Citar a doutrina sobre a eficácia dos sacramentos em qualquer distinção é apenas dizer meias verdades, já que partindo do princípio que sejam ministrados validamente, em função do óbice (obstáculo) existente em quem o recebe (alguma indisposição de alma, ou por aderir fortemente aos erros de seu grupo religioso), este mesmo sacramento não produzirá seus efeitos.

6. Conclusão

Ao contrário do que afirmou o Pe. José Eduardo, segundo o testemunho de Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e o Catecismo Maior de São Pio X, há na teologia católica uma distinção entre validade e eficácia dos sacramentos. Os sacramentos são válidos se são ministrados conforme determina a Igreja. Porém, se ministrados fora da comunhão com a Única Igreja de Cristo que é a Igreja Católica, eles não conferem a graça santificante, pois como ensinou o CMSPX, fora da Igreja Católica não há comunhão dos santos. 

Notas

[1] https://www.facebook.com/share/p/1djFHgRgzg/

[2] https://www.papalencyclicals.net/councils/trent/seventh-session.htm

[3] https://www.papalencyclicals.net/councils/trent/twenty-third-session.htm

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