Home / Direito Canônico / O Próximo Conclave Pode Ser Inválido Em Função do Número dos Cardeais Eleitores?

O Próximo Conclave Pode Ser Inválido Em Função do Número dos Cardeais Eleitores?

Por Alessandro Lima

Um amigo me trouxe uma interessante questão sobre o próximo Conclave. 

Basicamente a sua questão é: tendo em vista que a lei vigente especifica em seu cânon n.33 que o número de cardeais eleitores não deve ultrapassar 120 e o n. 76 determina que caso a eleição seja feita de forma diversa do que a lei prevê, isso a torna nula e inválida, “sem necessidade de qualquer declaração, e, portanto, não confere direito alguma à pessoa eleita”; e sabendo que são esperados no Vaticano cerca de 135 cardeais eleitores, isso não poderia servir para alguns alegarem que o eleito não é um papa legítimo?

A lei vigente que determina como um Conclave deve ser organizado para a eleição do Sumo Pontífice é a Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, promulgada pelo Papa João Paulo II em 22 de fevereiro de 1996 e levemente alterada pelos Papas Bento XVI (Motu Proprio De aliquibus mutationibus de 11 de Junho de 2007; e Motu Proprio Normas Nonnullas de 22 de fevereiro de 2013) e Francisco (Motu Proprio Cum gravissima de 22 de fevereiro de 2023). 

A Universi Dominici Gregis determinou um número máximo para os cardeias eleitores. Tal restrição não existia nas leis anteriores (Vacante Sede Apostolica, promulgada pelo Papa Pio X em 19 de dezembro de 1904 e a Vacantis Apostolicae Sedis, promulgada pelo Papa Pio X em 08 de dezembro de 1945).

Conforme já mencionado, a restrição do número máximo de cardeais eleitores está disposta no n. 33 da Constituição:

    1. O número máximo de Cardeais eleitores não deve superar cento e vinte.

Nos conclaves de Bento XVI (2005) e Francisco (2013) o número de cardeais que votaram foi de 115. No caso de Francisco, haviam 117 cardeais eleitores, porém 2 não compareceram. 

Porém, no pontificado de Francisco este número foi para 135, o que extrapola o número máximo determinado pelas regras do n. 33 da lei vigente. Esta irregularidade pode tornar o próximo Conclave inválido? A resposta parece ser afirmativa quando temos pela frente a seguinte norma da mesma Constituição:

    1. No caso de a eleição ser feita de uma forma diversa daquela prescrita na presente Constituição ou sem terem sido observadas as condições aqui estabelecidas, tal eleição é por isso mesmo nula e inválida, sem necessidade de qualquer declaração, e, portanto, não confere direito algum à pessoa eleita.

Como leigos não devem fazer juízos ou leituras livres das leis eclesiásticas, eu consultei meu amigo Carlos Nabeto que é canonista. E ele assim me respondeu:

“Me parece que nesse caso, considerando que o Papa recém-falecido permitiu que se ultrapassasse essa quantidade de 120 cardeais eleitores e não havendo previsão canônica explícita anterior sobre a sanção que se aplicaria na prática caso houvesse a ultrapassagem desse número (o que de fato se deu), considera-se implicitamente revogada essa disposição, aplicando-se no mais todas as demais disposições que não foram revogadas (inclusive a forma como se darão os votos, apurações, quórum para eleição e proclamação dos resultados).

Me parece, em suma, que se aplica aqui o c. 34, parágrafo §2 do CDC.” (grifos meus)

Para entender este parecer do nosso especialista consultado, vamos então ao texto do n. 34 do Código de Direito Canônico de 1983:

Cân. 34 — § 1. As instruções, que explicitam os preceitos legais e desenvolvem e determinam o modo como eles se devem observar, são feitas para uso daqueles a quem pertence dar execução às leis e obrigam-nos nessa execução; emite-as legitimamente, dentro dos limites da sua competência, quem tem poder executivo.

§2. As ordenações das instruções não derrogam as leis, e se algumas delas não se puderem harmonizar com as prescrições das leis, carecem de todo o valor.

Carlos Nabeto diz que o número excedido de cardeais eleitores seria sanado aplicando-se o que dispõe o c. 34,2:

“A lei geral (CDC, c. 349) diz que cabe ao Colégio de Cardeais eleger o Papa, “nos termos do direito peculiar … O paragrafo 2 do c.34 diz que o que a instrução manda fazer não revoga a lei… O CDC (lei geral) diz que o cardeais elegem o Papa. A Dominici (lei especial) por sua vez, prevê regras de direito subjetivo (p.ex., idade máxima para ser cardeal eleitor) e também instruções gerais (p.ex., número máximo de cardeais eleitores)… Ocorre que uma instrução incompatível (120 eleitores) com a realidade atual (135 eleitores, segundo o direito subjetivo para se determinar os eleitores) deve ser harmonizada, se possível – o que me parece que sim, lendo-se 135 ao invés de 120. Fazendo isso, se seguirá todo o demais que foi previsto na Dominici para a condução da Santa Sé e para o Conclave (em especial as formalidades previstas para as votações, apurações e eleição do novo Romano Pontífice).

Ou seja: ou revoga a instrução dos 120 (deixando sem limites de número, maior ou menor) OU a harmoniza e se passa a ler a partir de agora 135 ao invés de 120. E aí depende do próximo Papa, se voltará a ter um controle (não ultrapassando 135 ou determinando ele outro número específico) ou não (sendo eleitor todo cardeal até 80 anos ou outra idade que ele achar mais apropriada).” (grifos meus).

Ainda, sim, a falta de observância o n. 33 (que define como 120 o número máximo de cardeais eleitores) não configuraria na realização de um Conclave de forma “forma diversa daquela prescrita na presente Constituição” e que tal eleição seria “por isso mesmo nula e inválida, sem necessidade de qualquer declaração, e, portanto, não confere direito algum à pessoa eleita” (cf. n. 76)? 

Nosso especialista responde:

O n. 76 trata especificamente das eleições, não dos eleitores. Embora os eleitores obviamente participem das eleições e sem eles não há eleição possível, as regras para eleitores não se confundem com as regras para as eleições (o pleito em si). P.ex.: um cardeal que não atenda as regras para ser eleitor, não pode votar; mas se votar, esse voto não pode ser contabilizado; se for contabilizado, fere-se uma regra da eleição, não do eleitor.” (grifos meus).

Diante do exposto, o estouro do número máximo de cardeais eleitores não é razão suficiente para anular o resultado do próximo Conclave. Com efeito, a estipulação de um número máximo deve-se muito mais a razões práticas, como a quantidade máxima de cardeais que possam ser acomodados de forma confortável e sem transtornos na Domus Santae Marthae (que foi construída para essa finalidade pelo Papa João Paulo II), para que todas as sessões ocorram de forma ordeira. Essa definição, como bem explicou nosso consultor, não faz parte das definições sobre as atividades da própria realização do Conclave.

Concluímos com o célebre ensinamento do Cardeal Billot sobre a eleição do Sumo Pontífice:

Deus pode permitir que às vezes a vacância da Sé Apostólica se prolongue por muito tempo. Pode também permitir que surja dúvida sobre a legitimidade deste ou daquele eleito. Não pode, contudo, permitir que toda a Igreja aceite como Pontífice quem  não o é verdadeira e legitimamente. Portanto, a partir do momento em que o Papa é aceito pela Igreja e a ela unido como a cabeça ao corpo, já não é dado levantar dúvidas sobre um possível vício de eleição ou uma possível falta de qualquer condição necessária para a legitimidade. Pois a referida adesão da Igreja sana na raiz todo vício de eleição e prova infalivelmente a existência de todas as condições requeridas.” (Billot, Tract. De Eccl. “Christi, tom. I, pp. 620. Grifos meus).

 

Marcado: