Por Alessandro Lima
A Solenidade de Pentecostes, celebrada cinquenta dias após a Páscoa, encerra o tempo pascal com a efusão do Espírito Santo sobre os Apóstolos, sinal visível do nascimento da Igreja. Para compreendê-la em sua plenitude, é essencial examinar suas raízes veterotestamentárias, sua realização no Novo Testamento e seu significado perene na vida da Igreja.
As Origens Veterotestamentárias de Pentecostes
No Antigo Testamento, Pentecostes (do grego pentēkostē, “quinquagésimo”) é identificado com a Festa das Semanas (Shavuot), celebrada sete semanas após a Páscoa (cf. Lv 23,15-21; Dt 16,9-12). Inicialmente uma festa agrícola de ação de graças pelos primeiros frutos da colheita, especialmente do trigo, ela evoluiu para celebrar também a entrega da Torá a Moisés no Monte Sinai.
Segundo a tradição rabínica, a entrega da Lei ocorreu cinquenta dias após o Êxodo, transformando Shavuot numa comemoração da constituição de Israel como povo da Aliança. É significativa a aliança selada com o sangue (cf. Ex 24,8) e a manifestação de Deus em fogo e trovões (cf. Ex 19,16-19), prefigurando o evento cristão de Pentecostes.
O Cumprimento no Novo Testamento
Em Atos dos Apóstolos, capítulo 2, o Espírito Santo desce sobre os Apóstolos reunidos com Maria no cenáculo: “Apareceram-lhes como que línguas de fogo… e todos ficaram cheios do Espírito Santo” (At 2,3-4). Esse evento cumpre a promessa de Jesus: “Recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós” (At 1,8).
Enquanto no Sinai a Lei foi dada em tábuas de pedra, agora é escrita nos corações (cf. Jr 31,33; Ez 36,26-27). Santo Irineu afirma: “Onde está a Igreja, aí está o Espírito de Deus; e onde está o Espírito de Deus, aí está a Igreja” (Adversus Haereses, III, 24,1). É o nascimento público da Igreja, que, com a força do Espírito, começa sua missão universal.
Uma Nova Aliança Universal
O fenômeno das línguas (glossolalia), compreendidas por todos os povos presentes (cf. At 2,6-11), reverte a dispersão de Babel (cf. Gn 11,1-9). Santo Agostinho comenta: “Assim como naquela confusão de línguas foi impedida a construção de uma cidade orgulhosa, agora na diversidade de línguas se edifica a Igreja na caridade” (Sermo 271). A missão da Igreja, portanto, é católica, ou seja, universal, e seu motor é o Espírito Santo.
O Pentecostes nos Padres da Igreja
Os Padres da Igreja, profundamente conscientes do papel do Espírito Santo, meditaram sobre Pentecostes em seus escritos:
- São Gregório de Nazianzo: “O Espírito veio como fogo, porque Deus é luz e vida e porque, através do fogo, queima-se o pecado e ilumina-se o coração dos fiéis” (Oratio 41, In Pentecosten).
- Santo Irineu: “Recebendo o Espírito, os Apóstolos foram capacitados a pregar o Evangelho em todas as línguas, para que todos pudessem ouvir a salvação em sua própria língua” (Adversus Haereses, III, 17,2).
- Tertuliano: “O Espírito, prometido pelos profetas, desceu sobre os discípulos, confirmando a Nova Aliança como superior à antiga” (De Baptismo, 8).
- Cipriano de Cartago: “Foi no Pentecostes que o Espírito desceu do céu e encheu todos com a unidade da fé e a força da caridade” (Epistolae, 74).
- São João Crisóstomo: “No Pentecostes, Deus não deu um fogo qualquer, mas línguas de fogo, pois era necessário iluminar e também falar a todos. A língua de fogo mostra que a pregação será ardente e poderosa” (Homilia 4 in Acta Apostolorum).
- Orígenes: “O Espírito concedeu aos Apóstolos falar em diversas línguas para mostrar que a salvação é para todos os povos, e não restrita a uma só nação” (Homiliae in Numeros).
- São Hilário de Poitiers: reconhece em Pentecostes a ação restauradora da unidade eclesial (De Trinitate, II, 34).
- Santo Atanásio: vê no Espírito o cumprimento pleno das promessas do Pai (Epistola ad Serapionem, I).
- São Cirilo de Jerusalém: comenta que o Espírito, ao vir, santificou a Igreja inteira (Catecheses, XVII, 16).
- São Gregório Magno: escreve que os dons do Espírito são diversos para edificar a unidade do Corpo de Cristo (Homiliae in Evangelia, XXX).
- São Leão Magno: prega que “aquela descida visível do Espírito Santo sobre os fiéis marcou o início da nova proclamação do Evangelho” (Sermo 75, In Pentecosten).
Essas reflexões mostram como a Tradição reconheceu no Pentecostes não apenas o nascimento visível da Igreja, mas também o seu constante renovar-se no Espírito.
Pentecostes Hoje
A efusão do Espírito não se limita ao passado. Cada batizado participa dela de modo pessoal no Sacramento da Confirmação (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1302-1303). O Papa João Paulo II dizia: “A Igreja vive de Pentecostes permanente” (Redemptoris Missio, 87).
O Espírito Santo guia o Magistério, inspira a santidade dos fiéis, anima os sacramentos e sustenta a missão evangelizadora. Como ensina São Basílio Magno: “Sem o Espírito, Deus é distante, Cristo pertence ao passado, o Evangelho é letra morta, a Igreja é uma mera organização” (De Spiritu Sancto, 15,36).
Conclusão
Pentecostes é a plenitude da Páscoa. Cumpre as promessas da Antiga Aliança, inaugura a Nova, funda a Igreja e envia-a em missão. Celebrá-lo é renovar a consciência de que somos “templos do Espírito Santo” (1Cor 6,19) e que “a caridade de Deus foi derramada em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).
Veni, Sancte Spiritus!